Pesca na comunidade Vista Alegre, que fica a cerca de 60 quilômetros da cidade de Alcântara, no Maranhão. A comunidade está na região que foi tomada pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e vive atualmente a incerteza de permanecer no local. Foto: Ana Mendes/ISA

Quilombolas de Alcântara sob ameaça: entre a pandemia e a remoção forçada

Instituto Socioambiental
14 min readApr 15, 2020

Em meio à crise de saúde mundial, governo Bolsonaro publica norma prevendo deslocamento compulsório de mais de 2,1 mil pessoas de território ocupado há séculos. Ministério Público Federal obtém promessa de que a ação não ocorrerá durante epidemia, mas expansão de centro espacial ameaça segurança alimentar de populações já vulneráveis

Texto e fotos: Ana Mendes, especial para o ISA
Edição: Oswaldo Braga de Souza

Alcântara (MA) é o município com o maior número de quilombos do Brasil: são mais de 3,3 mil famílias, cerca de 22 mil pessoas, distribuídas em quase 200 comunidades.

Elas receberam com indignação, no dia 27 de março, em plena pandemia da Covid-19, a notícia de que 792 dessas famílias, ou mais de 2,1 mil pessoas de 27 comunidades, serão removidas de suas casas no litoral maranhense para dar lugar à expansão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), base militar espacial instalada nos anos 1980.

Contrariando promessas do ministro Marcos Pontes (da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação) de que não haveria possibilidade de ampliar a área atual de cerca de oito mil hectares do CLA e afetar comunidades locais, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, chefiado pelo general Augusto Heleno, publicou a Resolução nº 11, em 27/3/2020, confirmando a intenção de remover os moradores e ocupar outros 12.645 hectares dentro do território quilombola.

O teor da resolução não surpreendeu as comunidades. O que não esperavam é que ela viesse a público neste momento, quando o mundo inteiro está concentrado em combater o novo coronavírus.

Alcântara, assim como outros municípios do Maranhão, está parcialmente fechado, em estado de calamidade pública. Estão suspensas as viagens de barco que saem diariamente rumo à cidade, do cais da Praia Grande, na capital São Luís, a 21 km do município.

No dia 18 de março, o próprio general Heleno anunciou que tinha contraído o novo coronavírus, mas isso não o impediu de assinar a resolução, na qualidade de coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB). A norma especifica as responsabilidades de nove ministérios e da Fundação Nacional de Saúde na retirada dos quilombolas. A esses órgãos caberá pôr em que prática as políticas que orbitam as duas principais ações previstas — o deslocamento das populações e a ampliação da base militar. “A execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações” caberá ao Comando da Aeronáutica, estipula o documento.

“O general Heleno instituiu como tática o medo e o pânico, que só encontra paralelo histórico no atentado colonial”, critica o quilombola e assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe), Danilo Serejo.

“Estamos totalmente desarticulados, cada um dentro das suas casas, se protegendo dessa pandemia”, conta Militina Garcia Serejo, liderança de Mamuna, uma das comunidades com previsão de ser removida. “Aqui na comunidade tem muitos velhos”, alerta, preocupada com um grupo já ameaçado pela pandemia e que ficaria ainda mais vulnerável diante de um deslocamento forçado.

Centro da cidade de Alcântara visto a partir do Porto do Jacaré. A rua que se vê é a ladeira do Jacaré. As pedras da rua são conhecidas como ‘cabeça de negro’. Foto: Ana Mendes/ISA

A Covid-19 tem sido mais letal entre negros do que entre brancos, segundo o Ministério da Saúde. Pretos e pardos representam quase um em cada quatro dos brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave, mas chegam a ser um em cada três entre os mortos por Covid-19. A população negra deveria ser considerada um grupo de risco devido a esse alto grau de letalidade, defende a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Conforme a organização, as desigualdades sociais, o racismo estrutural e doenças estatisticamente mais comuns — como a hipertensão, a diabete e a anemia falciforme — tornam a população negra ainda mais vulnerável à crise sanitária.

Acordo Brasil-EUA e a retomada da proposta do CEA

A finalidade do novo centro espacial é prestar serviços remunerados de lançamento de foguetes, caracterizando-se como um empreendimento científico-comercial. A expansão do CLA visa atender ao Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) firmado pelo governo de Jair Bolsonaro com os EUA em março de 2019 e aprovado no Congresso em outubro.

O tratado regula o uso da base militar pelos norte-americanos. De acordo com ele, os EUA ficam autorizados a lançar satélites e outros equipamentos e a conceder uma licença de utilização para empresas privadas ou órgãos públicos norte-americanos. Em contrapartida, o Brasil poderá lançar objetos espaciais, nacionais ou estrangeiros — que contenham componente importado do país administrado por Donald Trump.

Maristela de Paula Andrade, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), explica que o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas resgata uma proposta da década de 2000 da Agência Espacial Brasileira (AEB), afinal rejeitada pelo movimento quilombola e o governo federal em 2008. O projeto era chamado de Centro Espacial de Alcântara (CEA). No portal da AEB, uma cartilha recente, assinada por Marcos Pontes, também denomina a área destinada ao acordo de salvaguardas de CEA (clique para baixar).

“A ideia de um Centro Espacial de Alcântara foi ressuscitada pelo general Heleno, ignorando propositalmente que essa tentativa não prevaleceu nas discussões entre o movimento quilombola e o Estado brasileiro e tampouco no acordo entre entes federais”, conta a antropóloga, que trabalhou por décadas em Alcântara. Ela lembra que, na época, um acordo sancionado pela Justiça Federal do Maranhão (clique para baixar)estabeleceu que o empreendimento espacial deveria ser construído dentro da área já pertencente aos militares. E foi o que aconteceu.

Em 2013, Maristela elaborou uma nota técnica (clique aqui para baixar) para o 2º Ofício da Procuradoria da República no Estado do Maranhão (PR/MA). Nela, há um mapa com a proposta do CEA, elaborada à época pelo GSI. “A área pretendida é a mesma e os quilombolas são os mesmos”, afirma a pesquisadora.

À esquerda, mapa do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território quilombola; fonte: DOU, 4/11/2008; à direita, proposta do GSI para a ampliação do CLA; a faixa em azul é o atual CLA e a faixa em verde claro é a demandada pelo governo; diferentemente do que diz a legenda da imagem, a área em verde claro faz parte do perímetro do RTID; fonte: GERUR/UFMA/ 2013.

Os mais de 12 mil hectares requeridos pelo governo fazem parte do perímetro previsto no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território quilombola, publicado em 2008. Para dialogar com o Estado, a reivindicação central dos quilombolas é a conclusão da regularização de todo o território de 78,1 mil hectares. O processo está parado há mais de 11 anos, aguardando a publicação de uma portaria pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A regularização dos quilombos é um procedimento complexo e demorado. Após a publicação da portaria, a Presidência da República precisa publicar um decreto de desapropriação, no caso das áreas sobrepostas a propriedades privadas. Depois disso, o título pode ser expedido pelo Incra.

Trégua ao terror?

Uma trégua em meio ao terror causado nos quilombolas pela publicação da resolução foi estabelecida com o compromisso firmado, no dia 2 de abril, entre o Ministério Público Federal (MPF) e representantes do Ministério da Defesa e do GSI. Os representantes do governo garantiram que não irão iniciar a remoção das comunidades enquanto durar a pandemia.

“[A resolução] não expressa a intenção do governo de remover as comunidades quilombolas do território neste momento”, afirmou o brigadeiro José Vagner Vital, na reunião entre os três órgãos. De acordo com ele, a norma apenas lista as iniciativas que devem ser tomadas para iniciar a expansão do CLA. Vital é vice-presidente da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE) da Força Aérea Brasileira.

Menino brinca na comunidade Quilombola Iguaiba, onde cerca de 16 famílias vivem principalmente da pesca de camarão e peixe. Foto: Ana Mendes/ISA

O alívio, no entanto, durou pouco: no dia 9 de abril à noite, dois militares do CLA estiveram na comunidade Pepital para discutir a regularização de terras e moradias para comunidades deslocadas nos anos 1980, conforme nota do Mabe.

“Consideramos extremamente grave, caso se confirme, que este procedimento esteja ocorrendo durante a pandemia do COVID-19, o que coloca em risco a vida e a saúde de nossas comunidades. Pois, não se trata de medida essencial, tampouco, emergencial”, alerta o texto.

O Mabe encaminhou uma denúncia ao MPF e à Defensoria Pública da União (DPU), assinalando o risco de contaminação pelo novo coronavírus representado pela visita.

“Você pede para passar logo a pandemia ou você pede que ela continue para você ficar sossegado no seu lugar? É muito maldoso”, comenta Dorinete Serejo Morais, coordenadora do Mabe e moradora da comunidade de Canelatiua, uma das que podem ser removidas.

“Quando acabar uma coisa, vai vir outra e você vai estar fragilizado, vai estar emocionalmente doente. É um momento propício para derrotar a população”, complementa, sugerindo o que seria uma estratégia do Planalto para dobrar a resistência dos quilombolas.

Acesso ao mar comprometido

Somada a área já ocupada pelo CLA, a faixa pretendida para a instalação do novo centro irá dificultar o acesso ao mar aberto que hoje os quilombolas têm. “Se isso vier acontecer — a relocação dessas famílias da área do litoral -, de fato não sobra nada para nós”, explica Antônio Marcos Pinho Diniz, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara (STTR).

Além do mar aberto, o município é rodeado também por duas baías: do Cumã e de São Marcos. Diniz explica que os dois ambientes são totalmente distintos. No mar aberto, existem praias e nas baías, igarapés. “Igarapés que são frequentados por todas as outras comunidades que estão no entorno”, observa, apontando o risco de uma sobre-exploração dessas áreas.

Para solucionar a questão, a Resolução nº 11 prevê que o Ministério da Defesa disponibilize “três corredores de acesso à faixa do litoral”, o que, teoricamente, viabilizaria que os quilombolas pudessem pescar e coletar mariscos, salvaguardando sua base alimentar. Os problemas com esses corredores, porém, já são vividos pelos moradores das sete agrovilas construídas pelos militares na década de 1980 para assentar 312 famílias que viviam onde hoje é o CLA.

“Ultimamente, quase não tem lançamento de foguete, mas, quando é época de muito lançamento e teste, os corredores podem ficar até um mês fechados, ou mais”, conta Inácio Diniz, morador da agrovila Marudá.

A resolução deixa claro que os futuros corredores também ficarão restritos, administrados por meio “de mecanismos de controle de acesso”. Essas vias são, portanto, uma solução parcial e insatisfatória.

A família de Diniz foi uma das removidas nos anos 1980. Seus membros moravam na antiga comunidade Peru e, hoje, para pescar lá, têm de passar por uma guarita militar portando identidade. “Às vezes, corre a notícia que está dando muito peixe, muita tainha, mas, se nesse período estiver ocorrendo lançamento, as pessoas estão proibidas de passar”, relata. Ele explica que, nessas situações, os parentes vão justamente para as outras praias que hoje são demandadas pela expansão do CLA.

Mamuna, Baracatatiua, Canelatiua e outras comunidades à margem do mar aberto são, atualmente, fornecedoras de alimento para os moradores das atuais agrovilas.

Militina Serejo, da comunidade Mamuna: “Aqui na comunidade tem muitos velhos”, alerta. Foto: Ana Mendes/ISA

“Remover a gente do litoral seria matar um pouco mais as agrovilas, porque o pescado deles é daqui. Como vamos ficar?”, pergunta Dorinete Morais.

Essas e outras questões continuam sem resposta.

Falta de informações e consulta

As lideranças quilombolas dizem desconhecer a localidade para onde serão transportadas, entre várias outras informações básicas, e garantem que nenhum diálogo foi feito até agora com as comunidades. Dorinete reforça que a resolução do GSI foi publicada à revelia dos moradores de Alcântara. “Nós sabemos que temos o direito de ser consultados”, aponta.

As populações tradicionais, como os quilombolas, têm o direito à consulta livre, prévia e informada sobre qualquer medida administrativa ou legislativa, qualquer projeto, atividade ou empreendimento que afete seus territórios. A determinação está na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil em 2002 e incorporada à legislação nacional. A norma prevê ainda que essas comunidades não deverão ser retiradas de suas terras e, se excepcionalmente isso acontecer, elas precisam concordar com a remoção.

Mulheres da comunidade Quilombola Arenheguaua colhem açaí. Foto: Ana Mendes/ISA

“Não tem condições de negociar um projeto dessa magnitude, com tudo isso que é pretendido, sem que haja a participação direta e efetiva de quem vai ser atingido diretamente. Quem foi diretamente atingido há trinta e tantos anos? O povo de Alcântara, que é o verdadeiro dono do espaço, o verdadeiro dono da terra e que preservou tudo isso por muitos e muitos anos e tem essa terra por direito, direito hoje constituído”, comentou Sérvulo Borges, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em missão realizada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em Alcântara.

O texto do artigo 4º da Resolução nº 11 menciona a elaboração de um plano de consulta para atender a Convenção 169. Mas Danilo Serejo avalia que a oitiva deveria ter sido feita antes da aprovação do acordo pelo Congresso, para que as comunidades tivessem acesso a todas as informações e planos elaborados pelo governo, incluindo questões como a das remoções, dos corredores de acesso ao mar, da comunicação etc. Para o advogado, falar em plano de consulta, agora, sem que condições de transparência e participação tenham sido garantidas, é “má-fé”.

“É por isso que se fala que a consulta é prévia. Porque, antes do Estado firmar posição ou fazer ‘x’ coisas, teria de possibilitar às pessoas que são impactadas o direito de se posicionar e essas pessoas não se posicionam do dia pra noite. Essas pessoas se posicionam a partir das condições que o Estado iria dar pra elas se posicionar, que era permitir o acesso pleno e irrestrito a todo o projeto, todos os planos que eles estavam fechando”, critica.

Os quilombolas reivindicam ainda a participação no CDPEB. “Esse comitê que pariu essa resolução está trabalhando há pelo menos dois anos e não possibilitou assento para as comunidades, não disponibilizou nenhum documento, não chamou em nenhum momento para fazer audiência, não instalou procedimento de consulta com as comunidades”, observa Serejo. “Há ali uma má-fé por parte do governo, quando diz que vai fazer a consulta, quando na verdade a consulta já deveria ter sido feita durante o processo de aprovação do acordo no Congresso ou de assinatura do acordo”, argumenta.

“De forma geral, nós não temos nada contra a base, mas não queremos ficar com o ônus”, explica Serejo. Ele enfatiza ainda que as comunidades não estão fechadas ao diálogo.

Tanto é verdade que foi elaborado um “Protocolo Comunitário de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado das Comunidades Quilombolas do Território Étnico de Alcântara”. O documento foi publicado em agosto do ano passado (clique para baixar) para orientar órgãos governamentais e empresas cujas as atividades afetem os interesses e os direitos dos quilombolas.

“Os protocolos comunitários disciplinam, então, como vai ser essa conversa”, explica o antropólogo Davi Pereira Júnior, morador da comunidade Itamatatiua e PhD pela Universidade do Texas. “A consulta não possui efeito deliberativo. A ideia da convenção é construir consenso”, conclui.

O documento elaborado pelos quilombolas de Alcântara enfatiza a necessidade de haver o consentimento das comunidades, tal como estabelecido pela Convenção 169.

“Remoções/remanejamentos/deslocamentos totais ou parciais de comunidades devem obter o consentimento destas comunidades e suas instituições representativas”, pontua o texto.

“Para implementação das ações planejadas, o diálogo com as comunidades tradicionais do local já vem ocorrendo há bastante tempo”, afirmou o GSI por meio de sua assessoria — informação contestada pelas lideranças quilombolas. Por e-mail, a reportagem perguntou ao órgão se tinha conhecimento do protocolo de consulta e se o considera uma ferramenta legítima, mas ele não respondeu a essa questão.

Pesca é crucial para manter a segurança alimentar nas comunidades. Fotos: Ana Mendes/ISA

Governo do Maranhão diz defender direitos quilombolas, mas apoia acordo

A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) do Maranhão conhece o protocolo de consulta. O documento é citado em uma nota técnica elaborada pelo órgão e enviada ao GSI (leia aqui). A assessoria da secretaria afirmou que o órgão solicitou ao GSI “a anulação da Resolução”.

A nota técnica solicita documentos e informações de interesse público sobre os planos do governo e afirma que as irregularidades ambientais do projeto dos anos 1980 estão se repetindo agora. “Para as obras executadas no CLA desde 1983 até hoje ou para aquelas que ainda serão iniciadas, não há o devido licenciamento ambiental”, alerta. O texto cita ainda uma auditoria realizada, em 2005, pelo Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso, que identificou irregularidades ambientais classificadas como graves.

Embora o governo maranhense tenha se colocado contra a remoção das comunidades em meio à pandemia, e o próprio governador Flávio Dino (PCdoB) tenha se manifestado em favor dos direitos dos quilombolas, ele sempre apoiou a aprovação do acordo entre Brasil e EUA. A posição lhe custou a rejeição de grande parte dos moradores de Alcântara e do movimento quilombola.

“O que nós temos colocado sobre a base é o seguinte: em primeiro lugar, não há problema em assinar acordo de salvaguarda tecnológica com os Estados Unidos ou qualquer outro país. Segundo ponto: na eventual exploração da base, que espero que aconteça, a soberania brasileira deve ser preservada. Terceiro: para que haja exploração comercial da base, é essencial que o direito das populações tradicionais de Alcântara seja respeitado”, disse em entrevista à revista Veja, em junho de 2019.

O deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA), presidente da Frente Parlamentar Quilombola na Câmara, ingressou com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) e ajuizou uma Ação Popular para suspender o artigo 6° da Resolução n° 11, que prevê a remoção. Não há informações sobre perspectiva de votação do projeto e resposta da Justiça. Na época da votação do AST, o parlamentar foi o único da bancada maranhense que votou contra. O PCdoB foi o único partido de esquerda a votar a favor do tratado.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação e Assuntos Políticos da Presidência da República e a assessoria do Ministério de Defesa, mas nenhuma respondeu até o fechamento desta reportagem.

Cronologia:

1978: Planejamento do Centro de Lançamento de Alcântara.

1982: Assinatura de Protocolo de Cooperação entre o Ministério da Aeronáutica, o Governo do Estado do Maranhão e o município de Alcântara, estabelecendo as funções de cada um em relação ao remanejamento compulsório das famílias para construção do CLA.

1986: Inicia-se a construção das agrovilas que iriam acomodar as famílias removidas para a criação do CLA. Das duas mil famílias expropriadas, 312 foram remanejadas compulsoriamente para agrovilas.

1987: Em meados do ano, iniciam-se as obras do aeroporto, do Centro Técnico e do Centro de Lançamento do CLA e a segunda fase dos remanejamentos compulsórios, entre novembro de 1987 e dezembro de 1988.

2000: Tentativa de acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para utilização do Centro de Lançamento de Alcântara. Várias das cláusulas do Acordo de Salvaguardas foram questionadas por uma série de entidades e movimentos sociais e o acordo foi “engavetado” no primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

2008: Em dezembro, é publicado no Diário Oficial da União o RTID do território étnico de Alcântara, segundo o qual 78.105,34 deveriam ser titulados aos remanescentes de quilombos de Alcântara. Sendo assim, a demarcação do território desses grupos não incluiria apenas os 8.700 ha onde estão instalados os militares.

2009: O RTID do território étnico de Alcântara é contestado pelo GSI, com a anuência do Ministério da Justiça.

2019: Congresso Nacional aprova o AST entre Brasil e Estados Unidos.

2020: GSI da Presidência da República publica Resolução nº 11, na qual prevê novas remoções e a ocupação de mais 12 mil hectares localizados dentro do território étnico de Alcântara.

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